
Não quis gritar. O grito seco preso na garganta me arranhava aos poucos. Tentei libertar-me de mim, mas estava presa ao meu próprio corpo. Tentei libertar-me da vida, mas se o fizesse, estaria cedendo às prisões da própria morte. O vão da existência me consome aos poucos, me queima lentamente, lentas chamas que fazem meu grito entrar em ebulição. As grades em mim sufocam, como a fumaça faz com as pessoas que as aspiram, e eu me aspirava, e eu respirava e arfava continuadamente num ritmo lento, ritmo incessante, ritmo da vida. Sobre mim mesma não sei muita coisa, sei somente que urge este grito, e que ele me arranha aos poucos e corrói minhas entranhas, confusos nós de existência. O mundo segue em sua órbita, enquanto o universo se expande de uma forma monstruosa, a caminho do desconhecido, quiçás a caminho de Deus. E, quem sou em meio a tanto tudo e a tanto nada? Sou um grito, um grito de existência que continua existindo mesmo sem ter pedido para existir. Grito que está morrendo mesmo sem ter pedido para morrer. Sou, e me basta. Vivo entre estes nós de existir e entre a confusão de ser. Tudo está envolto num mistério tão milagroso, que a nós, nos são somente reservados o direito de indagar, pois, as respostas estão no desfazer dos nós que nossas existências carregam na alma. Respiro, e sinto uma energia poderosa em mim. Deve ser o milagre de "ser", num lugar onde apenas as chamas e as águas poderiam existir. Deve ser no mais pungente modo de indagar, onde somente os deuses poderiam ter este direito. Então sou, indago, e, é neste momento que sinto o grito escapando de dentro de mim, transformando-se em vento, que venta, no momento em que eu sinto o nascer de um novo anseio, o crescer de um novo grito.