Amor. - Por Luis Fernando Veríssimo


-Você está sozinho? Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.

Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada.
Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios.
Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa?
Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.

O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina.

Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra praia no final de semana. Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos outros. Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio numa locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a
gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.

A primeira lição está dada: o amor é onipresente.

Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia clichês. Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza.

Idealizar é sofrer.

Amar é surpreender.

Luis Fernando Veríssimo

Expectativas Derretidas


O sol ferve, derretendo o asfalto encardido. Eu me derreto com ele, e passo a me borrar, com o meu lápis estilo carvão. Todos estão ali, com a mesma expectativa, com o mesmo desejo. O tempo vai passando, sem nos darmos conta, e a gente deixa aumentar essa ansiedade louca. Uma música, algumas entrevistas com o pessoal na fila e eu continuo me derretendo, sem me importar. Nós entramos, e mais uma longa espera, cansativa, mas valiosa. Olho para trás e vejo uma multidão, a mesma intenção pendende. O show. Eu estremeço ao ver as luzes piscando, em cores absurdamente misturadas. As pessoas gritam, e eu também grito, afinal estamos todos embalados pela mesma energia que nos comanda de uma maneira descarada. Agora somos todos um pouco asfalto. As luzes piscam novamente. Testando, um, dois, três. Não me contenho mais. Começo a me balançar, embalada pela minha canção imaginada. A espera. Nesse momento a expectativa salta de nossos corpos, ensopada de suor e sai fugitiva pela multidão, criando essa tal energia fabulosa. Enfim, o show. Estamos em transe. A música toca alta, soando em minha mente, fazendo-me tremer de êxtase. Enfim, os momentos de espera e de expectativa derramados ali, naquele chão suculento de bebida, e já pastoso por nossos tênis imundos. Somos agora uma massa louca de gente, que se liberta, que segue seu próprio ritmo. Somos sem nomes agora. Apenas estamos, não somos. E estar é melhor do que ser. Afinal, quando se está se vive o momento, plenamente, e é isso afinal, que estamos fazendo, estamos sendo. Eu solto um fiapo de voz, enroscado em outros fiapos, que vão se desprendendo aos poucos, e dando forma a canção, que é tocada lá, à frente de nossos olhos abertos e brilhantes. Carregados pela adrenalina.
Eu caio e acordo. O show. São apenas expectativas.

Renascendo do Pó

Toda vez que o sol fertiliza o horizonte eu me renovo, me verifico, me dispo e sinto-me renascida novamente, é o meu ritual. Não me faria mal algumas doses de pureza, porém, eu prefiro a vida mais vísceral. Se for pra viver que seja nos extremos. Eu não gosto de meio termo, ou se é, ou não se é. E se for pra viver de essência que seja pura, que seja fresca e forte, como uma droga. Me mate, ou me faça viver mais ferozmente, selvagem.
Meus amores sempre foram cruéis, e dolorosos, porque vivi no limite. Sempre me doei demais, e se não fosse assim, não teria vivido nos extremos. Eu gosto da dor, ela me faz ser mais forte, e me faz cair. A dor do amor é algo que me fascina, que me encanta, e eu consigo conviver muito bem com essa sanguessuga no meu coração. Se não fosse assim, viveria no meio termo, meio frouxo.
Eu não fecho as janelas nem pro amor, nem pro sol. Ele já se põe lá no alto, batendo forte pedindo licença, e eu o deixo entrar. Um milagre. Meu outro extremo, que esqueci de lhes contar: tudo para mim é miraculoso. A vida para mim é sobrenatural. É, talvez seja meu lado filosófico: a capacidade de se admirar com tudo ao meu redor. Eu faço parte de um mistério. Eu mesma sou um mistério. E nas palavras de Lispector: "Não tente entender, viver ultrapassa todo o entendimento", compreendi que a vida não tem explicação, porque é milagre, e milagre não se explica, simplesmente acontece. Tá Clarice, então eu vivo, vivo com sede de vida. Secando cada gota de nascente fresca, mordendo cada maçã suculenta. Eu sou pó. Sou cosmo melado, fruto do infinito. Eu sou matéria, sou orgânica e sou empírica, mas também sou racionalista.
Eu me ponho pra sonhar quando a lua se faz. E me ponho pra viver uma outra realidade, que não é menos real do que a realidade, o sonho. E então eu crio uma bolha envolta, com gás renascente, pra aspirar todos os dias, quando o sol pede licença pra entrar, enquanto me equilibro na corda bamba dos dois extremos.