Negação
Não amor, eu não me contenho, eu não me contento. Sou um grito, um espasmo no núcleo terreno, um tanto que te faz sonhar. Um sonho de findos emblemas, de dardos poemas e recheios de melodia. Um olhar de cigana, meio poeta e meio profana. Uns seios de sereia de rabo azul e escamoso, que tiroteia pelo seu pescoço. As notas íngremes do instrumento não inventado e o amor dos irreconhecíveis românticos das tavernas amanhecidas pelo cheiro do ocre olor das pernas, bailando e se entrelaçando no ar. Não amor, eu não me contento. Vou com os nós do rebento, mas contigo não vou mais.
Num instante
Eu pintaria você nos
meus dedos. Com o sol amarelento secando a tinta seca. O amor não dói. Frases
desconexas não nos corroem. Acho que perdi o meio fio e o meio inteiro de mim
mesma. Não sei se sou folha ou flor. Amor ou desamor. Cansei das rimas que nada
mais falam, que doem e quebram a garganta em partes, como rachaduras imóveis de
chão. Cansei dos mesmos cafés a gelar nas xícaras enfeitadas por flores
coloridas pintadas à mão. Eu não sou arte, só faço parte. Cuspo meus medos, mas
engulo-os, engasgo-os e volto a viver com a mesma intensidade com que havia
morrido ali, outra vez, no canto escuro da sala de estar, entre uma e outra
dose de rum, ouvindo o mesmo disco de uma música só. Rasguei-me, comendo meu
coração que se verteu em flor. Antropófaga de mim mesma, dos meus amores vãos
que deixei cair entre o vão da escada, enquanto a obscena senhora vivia ali.
Você não me entenderá, nem eu te entenderei, mas a vida é isso: viver é um
não-entendimento, uma mordida no coração. Te transformei em nota, em poema, em
canto grave num mi menor. Acho que eu ri quando você secou ao sol, num dó maior
quase imperceptível. Acho que você se foi. Acho que era poesia demais pra quem
queria ser prosa. Assim, num instante repentino, virei palavra e desvirei
verso.
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