Expectativas Derretidas


O sol ferve, derretendo o asfalto encardido. Eu me derreto com ele, e passo a me borrar, com o meu lápis estilo carvão. Todos estão ali, com a mesma expectativa, com o mesmo desejo. O tempo vai passando, sem nos darmos conta, e a gente deixa aumentar essa ansiedade louca. Uma música, algumas entrevistas com o pessoal na fila e eu continuo me derretendo, sem me importar. Nós entramos, e mais uma longa espera, cansativa, mas valiosa. Olho para trás e vejo uma multidão, a mesma intenção pendende. O show. Eu estremeço ao ver as luzes piscando, em cores absurdamente misturadas. As pessoas gritam, e eu também grito, afinal estamos todos embalados pela mesma energia que nos comanda de uma maneira descarada. Agora somos todos um pouco asfalto. As luzes piscam novamente. Testando, um, dois, três. Não me contenho mais. Começo a me balançar, embalada pela minha canção imaginada. A espera. Nesse momento a expectativa salta de nossos corpos, ensopada de suor e sai fugitiva pela multidão, criando essa tal energia fabulosa. Enfim, o show. Estamos em transe. A música toca alta, soando em minha mente, fazendo-me tremer de êxtase. Enfim, os momentos de espera e de expectativa derramados ali, naquele chão suculento de bebida, e já pastoso por nossos tênis imundos. Somos agora uma massa louca de gente, que se liberta, que segue seu próprio ritmo. Somos sem nomes agora. Apenas estamos, não somos. E estar é melhor do que ser. Afinal, quando se está se vive o momento, plenamente, e é isso afinal, que estamos fazendo, estamos sendo. Eu solto um fiapo de voz, enroscado em outros fiapos, que vão se desprendendo aos poucos, e dando forma a canção, que é tocada lá, à frente de nossos olhos abertos e brilhantes. Carregados pela adrenalina.
Eu caio e acordo. O show. São apenas expectativas.