Renascendo do Pó

Toda vez que o sol fertiliza o horizonte eu me renovo, me verifico, me dispo e sinto-me renascida novamente, é o meu ritual. Não me faria mal algumas doses de pureza, porém, eu prefiro a vida mais vísceral. Se for pra viver que seja nos extremos. Eu não gosto de meio termo, ou se é, ou não se é. E se for pra viver de essência que seja pura, que seja fresca e forte, como uma droga. Me mate, ou me faça viver mais ferozmente, selvagem.
Meus amores sempre foram cruéis, e dolorosos, porque vivi no limite. Sempre me doei demais, e se não fosse assim, não teria vivido nos extremos. Eu gosto da dor, ela me faz ser mais forte, e me faz cair. A dor do amor é algo que me fascina, que me encanta, e eu consigo conviver muito bem com essa sanguessuga no meu coração. Se não fosse assim, viveria no meio termo, meio frouxo.
Eu não fecho as janelas nem pro amor, nem pro sol. Ele já se põe lá no alto, batendo forte pedindo licença, e eu o deixo entrar. Um milagre. Meu outro extremo, que esqueci de lhes contar: tudo para mim é miraculoso. A vida para mim é sobrenatural. É, talvez seja meu lado filosófico: a capacidade de se admirar com tudo ao meu redor. Eu faço parte de um mistério. Eu mesma sou um mistério. E nas palavras de Lispector: "Não tente entender, viver ultrapassa todo o entendimento", compreendi que a vida não tem explicação, porque é milagre, e milagre não se explica, simplesmente acontece. Tá Clarice, então eu vivo, vivo com sede de vida. Secando cada gota de nascente fresca, mordendo cada maçã suculenta. Eu sou pó. Sou cosmo melado, fruto do infinito. Eu sou matéria, sou orgânica e sou empírica, mas também sou racionalista.
Eu me ponho pra sonhar quando a lua se faz. E me ponho pra viver uma outra realidade, que não é menos real do que a realidade, o sonho. E então eu crio uma bolha envolta, com gás renascente, pra aspirar todos os dias, quando o sol pede licença pra entrar, enquanto me equilibro na corda bamba dos dois extremos.