Admiração pelos Cocares


Desde minha infância nutro uma paixão pelos índios. Os cocares, flautas, música, pinturas corporais, rituais, pajés, curandeiros sempre me atraíram muito. Resumindo: a cultura indígena em geral sempre me atraiu muito. Lembro-me de uma vez quando fui com minha mãe comprar alguns mantimentos num pequeno mercadinho perto de casa, devia ter no máximo uns cinco anos, e me deparei com um caderno em espiral, estampado com o rosto de um índio brasileiro. Acabei levando o caderno pra casa, meu primeiro caderno que faço questão de guardá-lo até hoje.
E foi motivada por esta paixão indígena, que comecei a estudar flauta, com o intuito de um dia tocar flauta wasusu, sararé, ou quaisquer outros instrumentos indígenas. Até hoje não aprendi, mas não perdi as esperanças.
Motivada por essa onda tupi-guarani, ao completar seis anos, no ano de 1998, tornei-me fã assídua, juntamente com minha mãe, do grupo amazonense Carrapicho, que estourou nesta mesma época, com sucessos relevantes, dentre eles: Rogai por Boi, Mundurukânia, Festa de um Povo e Tic Tic Tac, música escolhida para dançarmos na festa de fim de ano da pré-escola, para minha alegria. Lembro-me de que naquela época os cd's ainda eram pouco comuns, e mp3 nem sonhávamos que um dia pudessem existir, muito menos downloads de músicas. Ouvíamos as músicas por meio de fitas (sabe, aquelas que possuíam lado A e lado B, e que vez por outra se enroscavam no compartimento do aparelho de som), estas fitas sim faziam minha alegria, especialmente a fita da Festa do Boi Bumbá do Grupo Carrapicho.
Por meio destas músicas, minha paixão pelos "pele-vermelhas", aumentou. Meu sonho era visitar a Amazônia, ou melhor, morar na Amazônia. Minha vontade era de usar cocares, pintar o rosto, ter cabelos lisos e negros e a pele mais morena. Então, comecei a procurar na minha árvore genealógica, algum indício indígena na família. Acabei por classificar meu bisavô materno como indígena, por ele ter alguns traços tupi-guaranis. A partir daí, a minha maior alegria foi poder falar aos quatro ventos que eu tinha sangue indígena correndo nas veias.
Depois de algum tempo, quando já estava na pré-adolescência, envolvida pelas lembranças de filmes americanos antigos, filmes que relatavam a vida de seus nativos e filmes de faroeste, passei a me dedicar mais aos índios americanos: os Sioux, Apaches, Chippewas, Choctaw e Cheyennes. Comecei a apreciar os longos cabelos negros, com penas a enfeitá-los, roupas de couro, sapatos de couro, águias, xamãns, rituais e costumes dos nativos americanos.
Com o passar do tempo e levada pela moda, virei adepta dos brincos de pena. Mais pela admiração que nutria pelos índios do que pela moda. Em seguida, comecei a estudar na escola a história dos Maias, Incas, Astecas e mais adiante dos nativos americanos. E nas palavras de Leandro Karnal e tantos outros historiadores, defrontei-me com as atrocidades cometidas pelos brancos contra eles. Opressão, genocídio, etnocídio, assassinatos. Numa luta desigual. Flechas contra armas de fogo. Inocência contra ganância. Tornei-me então, uma pseudo-indígena revoltada.
E em todos estes anos que se seguiram, mantive em mim uma grande admiração e respeito para com os povos indígenas e sua cultura. Ninguém é obrigado a admirá-los, mas todos nós como brasileiros, descendentes do sangue indígena, e do deus nativo Tupã, temos no mínimo, a obrigação de respeitá-los.
Reacender uma admiração tão antiga me levou a criar este post no blog. Descobri que há muito mais de índigena em mim do que esperava encontrar. Não em sangue, mas sim, no coração.

Entre as Vísceras do Realismo


Periodicamente visito a Biblioteca Municipal de minha cidade. E como consequência destas visitas, sempre acabo pegando emprestado dois livros trazidos de lá, no mínimo. A biblioteca é ampla, possui várias estantes de ferro, e um computador um tanto surrado, porém muito útil, para ajudar os visitantes nas pesquisas de autores e livros existentes ali. Contudo, ainda acredito ser uma pequena biblioteca, se comparada ao tamanho da cidade, e aos quatrocentos e tantos mil habitantes que aqui residem.
Na última quarta-feira, enquanto a chuva resolvia dar uma trégua por essas bandas, depois de ter enlameado as principais avenidas e o terminal rodoviário, resolvi "dar uma passada" por lá, para devolver duas obras: uma de Bataille e outra de Leminski. Para manter o bom costume de sempre levar um livro pra casa, fui caçando pelas prateleiras outros volumes que pudessem ser tão atraentes quanto os outros dois que eu estava devolvendo. Parei em frente à prateleira de "novas aquisições", como sempre faço, e fiquei a olhar para os novos livros adquiridos. Raramente pego emprestado algum destes, já que dificilmente chego até a biblioteca sem ter em mente alguma obra específica para ler, embora, algumas vezes eu não encontre a obra esperada por estar emprestada ou por não haver ali, já que o local vive de doações de autores, população e políticos. Desta forma, há alguns meses atrás, não pude encontrar On The Road na minha primeira busca pelas mesmas prateleiras de claro cinza. Nenhuma obra de Jack Kerouac. Nada. Até que encomendei numa livraria, e então pude lê-lo tranquilamente, enquanto saboreava a genialidade da era Beatnik. Mas, não nos detenhamos em antigos episódios, vamos direto para a quarta-feira não chuvosa, enquanto eu me detinha para observar os livros recém adquiridos.
Estava a fitar os novos volumes, quando me deparei novamente com uma obra que pela segunda vez me chamou a atenção. A capa um tanto sugestiva, trazia a gravura de uma cabeça de porco dependurada sobre uma espécia de corpo humano e na lateral esquerda a cabeça de um cão. Ana Paula Maia, pude ler em letras rosas na capa do livro. Até então desconhecida para mim. Até então...
Mal pude esperar para chegar em casa e lê-lo. Na contra-capa do livro, havia algumas informações referentes a autora, e uma foto da mesma, além de um endereço de seu blog. Assim que conectei-me a internet, digitei na barra de endereços http://www.killing-travis.blogspot.com e li "Puta Natal". Achei-o genial. Humor negro. Humor cinza. Humor sem cor, e ao mesmo tempo transgressor, que nos faz prender a atenção do início até o fim. Logo em seguida, desliguei o computador e corri para o livro, devorando suas 158 páginas em apenas um dia.
Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos, é um livro que dispensa categorias, mas que poderia muito bem ser denominado de realismo visceral. Suas duas novelas contidas nas 158 páginas, se entrelaçam e se passam no mesmo local fétido, calorento e imundo, onde a vida humana tem pouco valor. Seus personagens, são homens que sobrevivem de abater porcos, recolher lixo, quebrar asfalto e desentupir fossas e esgotos. São homens que aprenderam a trabalhar, sem questionar. Trabalhar e gastar o dinheiro do trabalho em rinhas de cachorros. Homens estes que executam trabalhos pouco valorizados, mas de extrema importância.
Na segunda novela, denominada Trabalho Sujo dos Outros, Ana Paula Maia nos exibe uma sociedade onde coletores de lixo entram em greve, e temos de lidar com o lixo que produzimos, com os abutres que tentam se apoderar da sujeira, com as doenças trazidas por ratazanas, e com toda a pestilência que o lixo amotinado pelas calçadas e asfaltos nos traz. Num mundo onde a produção de lixo tem aumentado a cada dia, somos levados a uma profunda reflexão sobre nossas ações perante o planeta que vivemos. E é entrelinhas, que a nova e genial escritora brasileira, nos aponta tais questões. A partir destas duas novelas narradas em tom naturalista Ana Paula Maia nos leva a refletir em meio a ao cheiro de tripas e baratas de esgoto, regadas ao sangue, na medida de Tarantino.
Um livro que deixa marcas e rastros. Um livro ímpar, que transpassa a base das palavras, e nos leva ao mundo das sensações, onde o cheiro se infiltrará pelas narinas até a última página.

Tamborilando Sonos e Sonhos


Estou sentada. Ouço os pingos de chuva que insistentemente batem em minha janela. Tamborilando. Enchendo-me de ecos, e breus. Prego meus olhos nos olhos negros da fotografia, olhos estes que são teus. Respiro. As gotas parecem aumentar compassadamente. Som do céu. Som do som. Inspiro. Tenho frio. Tremo sob um fino cobertor cheirando a mofo e a perfume barato. O relógio descompassa o compasso do som. Agora, entro em transe, caminho para o estupor. Meu contentamento arrasta indícios de minha dor. Olho para o lado, e fito-me longamente no espelho. Sou uma estranha para mim. Tenho olhos feito borrões, cabelos desgrenhados e um olhar de sono. Miro o celular. Nenhuma chamada perdida. Nenhum recado guardado. Nenhum souvenir de tua voz. Então viro para o outro lado. Colo minha face na fria cama, e adormeço. Sono, enquanto sonho que te amo, enquanto os pingos batem incessantemente na janela, enquanto descubro não ser sonho, o sonho de te amar.