Estávamos sob um céu nublado, metade do mundo em início de breu. Olhei para seus olhos, estavam fixos, compenetrados, fitando atentamente algo invisível. Estavam dilatados, acostumando-se com a escuridão, onde havia apenas pequenas frestas de luz que nos vinham ordinariamente da iluminação pública. Não conseguíamos olhar distintamente as estrelas, nós que sempre estávamos apaixonados por aqueles pequenos pontos brilhantes, tantos já mortos, tantos persistentes a brilhar.
Um pequeno farol se acendeu à distância, era um veículo, que dobrou a esquina algumas ruas à nossa frente. Pedro sequer percebera o farol, estava imóvel. Estava ficando perturbada com seu estado de plena inércia. Tentei concentrar-me nos pequenos pontos brilhantes, e na mente, ocupei-me em fazer cálculos absurdos de distância entre nós e as estrelas.
As luzes artificiais foram se intensificando, e os pontos luminosos foram desaparecendo lentamente, perdurando apenas os mais brilhosos e grandiosos pontos no céu.
- Olhe lá – apontei, tentando voltar sua atenção para mim, - parece ser a constelação Cruzeiro do Sul.
Houve uma longa pausa, e então ele ergueu seus olhos para o céu, e em seguida olhou-me confuso, os olhos brilhantes. Não houve resposta, apenas o silêncio, que Pedro cortou momentos depois.
- Quem é você? – Perguntou-me repentinamente, surpreendendo-me, a voz baixa e rouca.
Quem era eu? Ora essa! Havia anos que nos conhecíamos, e anos que estávamos apaixonados um pelo outro, ele já deveria ter a resposta para essa pergunta, deveria saber quem era a mulher que ele amava. Algum tempo depois lhe respondi, ironizando sua pergunta:
- Sou Ana, e isto não é novidade para você.
Um ponto de decepção surgiu em sua fronte, e ele comentou:
- Não perguntei seu nome Ana, perguntei quem você é.
Tentei continuar a brincadeira, e novamente ironizei o homem com quem eu construia planos, e construia uma relação estável, e mais que isso, construia amor.
- Tenho 22 anos, signo de peixes, se quiser posso lhe mostrar meus documentos para você. – Ri.
Dessa vez, a decepção estampada em seu rosto foi mais evidente. Estava ficando claro que aquela conversa nada tinha de ironia ou brincadeira, era uma séria conversa, que talvez poderia mudar os rumos de nossos próprios caminhos.
- Ana, preciso saber quem você é. – Disse, segurando em minhas mãos frias pelo orvalho que caía insistentemente, - você não é uma idade, um signo ou um simples papel plastificado, você é mais que isso, e eu preciso saber.
Ele estava realmente falando sério, apesar da ternura em seu timbre. Tentei me esforçar para não decepcioná-lo novamente, busquei em mim a minha verdadeira identidade. Eu não havia escolhido nascer, nem onde nascer; não havia escolhido meus familiares, não havia escolhido meus gostos, nem sequer havia escolhido o número de meu sapato. Parecia-me que todas as minhas preferências e todas as minhas escolhas já haviam nascido junto de mim, então quem eu era? Era uma acaso? Quem escolhera por mim? Fui mergulhando numa enorme piscina de perguntas, onde havia apenas interrogação. Não havia respostas, apenas perguntas, que desencadeavam mais perguntas, e mais, e mais...
Quem eu era? Quem eu sou? Não sou um nome, não sou uma idade, não sou uma cor de cabelo, ou uma preferência.
Senti seu abraço enquanto tentava encontrar uma resposta, e as estrelas começaram a surgir vagarosamente, enquanto as luzes foram se apagando gradativamente. Só restou a escuridão sem respostas, só restaram as estrelas já mortas numa distância inatingível, tão inatingível quanto minhas perguntas, quanto saber minha identidade. Cerrei os olhos e suspirei, ouvindo atentamente sua respiração em minha nuca, sentindo fortemente seus braços ao meu redor. Eu o amava, e para isso não havia explicação. E foi aí, que eu pude compreender que o que nos movia naquele, e em todos os outros momentos eram as perguntas e o inexplicável, e não as respostas.
E você, quem você é?