Frascos de Vidro


Estava sentada, à beira do precipício. Suas pernas trêmulas batiam descompassadamente uma na outra. As mãos suavam. Os nós arredios de seus longos cabelos balançavam conforme a regência da ventania. Ela existia. Sim, apenas existia. Os olhos muito abertos sendo perfurados por uma luz distante. A vida escapando descontroladamente de suas mãos.

Seus sentimentos eram guardados em vidros, que ela fazia questão de armazenar num pequeno e velho armário dos fundos de sua casa. Tinha medo. Deixava-os guardados, enquanto existia. Conferia o conteúdo dos frascos diariamente, fazendo questão de tampá-los muito bem. Todas suas dores, todos seus amores, toda sua raiva, angústia, inveja, paixão, ânsia, esperança e solidão estavam armazenados no pequeno quarto, sujo e malcheiroso dos fundos.

Certo dia, ao conferir o conteúdo dos pequenos vidrinhos, deixou um deles cair ao chão, fazendo com que o conteúdo do frasco soltasse sua grossa seiva de ódio. Tentou correr para não aspirar, porém não havia mais tempo: como ela desconhecia esta emoção, e todas as outras, sua alma encheu-se puramente do mais profundo ódio, deixando-a sem anticorpos para tal sentimento. Começou a atirar os outros vidrinhos, que foram caindo no chão, liberando as emoções que ela jamais experimentara na vida: rancor, esperança, inveja, e tantos outros que foram sendo libertados seguidamente.

Ao se deparar com o penúltimo frasco, viu a seiva sibilante que reinava por entre os vidros esfumaçados. Sem antes pensar, atirou-o longe, fazendo com que um líquido escuro inundasse suas narinas por um cheiro forte e agridoce. Antes que pudesse atirar o último frasco, seu coração sem sentimentos foi preenchido por uma sensação indescritível. Naquele instante, ela experimentou um estado sublime de sua existência, agora ela acreditava na beleza da vida, sem temê-la, e acreditava que era um engano de sua parte guardar emoções em frascos. Era preciso vive-las, as boas e as não tão boas assim, para ter anticorpos, para ter vida, para ter alma.

Uma lágrima escorreu de seus olhos, antes de seu destino final. A morte agora a abrangia, em seu suspiro seco e impiedoso. Morrera. Morrera de amor. Pois dentre tantos sentimentos guardados nos pequenos frascos, o amor fora o mais forte e o único capaz de fazê-la sentir viva, e de fazê-la sentir morta.

A Caminho do Nada


(...) Andamos por aí sem nada a dizer. Nos deparamos com míseras pessoas, que pareciam sombras perdidas, assim como nós, entre um mundo que parecia incompreensível para Dave, e que naquele momento havia se transformado incompreensível para mim também. O mundo era uma escuridão, e nós ali estávamos nos comunicando com tudo o que nos rodeava.

As luzes passavam por nós como um borro infame, às vezes na forma de lanternas dos carros também escuros, às vezes como uma iluminação ordinária que se escondia atrás de alguma grande árvore pendida em uma calçada totalmente livre de folhas.

Ele sequer me olhava. Eu o observava todo o tempo. As mãos caídas sob o corpo, passos ligeiros. Seu olhar era um mesclado de solidão, dor e liberdade.

Eu não estava ao seu lado por trabalho. E realmente, não sabia explicar o motivo por estar seguindo-o pelas ruas escuras de Londres.

Chegamos até uma loja pintada de verde escuro. Estava sem a câmera fotográfica, sem papéis, canetas, ou qualquer coisa que seja sinônimo de minha profissão. Eu só tinha minha alma, uma bolsa grande, e Dave ao meu lado. Ele se sentou, e eu parei a alguns metros de distância.

Ficamos assim por alguns minutos, sem nos mexermos, sem sequer enxergarmos o outro lado da rua pouco movimentada. Minha atenção estava concentrada apenas no rapaz que eu conhecera no Ripple’s.

Enquanto meus cabelos caiam geladamente no rosto, ouvi a sua voz distante, que se voltava para mim:

-Por que você não vai embora? Eu não sou confiável.

Suas mãos se seguravam, se safavam. Eu corri meus olhos por ele, e então respondi após sentar-me ao seu lado, como uma ligeira órfã repentina, que busca amparo na companhia de um outro alguém, por mais desconhecido que seja:

-Ninguém o é.

Ficamos assim por um hiato indefinido. O tempo corria solto. A lua deixava de brilhar, despedindo-se de uma noite escura. Agora a aurora chegava com sua força poderosa, iluminando até aqueles que estavam na escuridão.

Dave ergueu sua cabeça, olhando para um pôr-do-sol amarelado que brotava do infinito. Os meus olhos se estreitavam, firmes, meio avermelhados pela noite sem sono, pela cerveja quente do bar, pela visão daquele rapaz.

-Por que você vem aqui Dave? – Disse, tentando quebrar o silêncio.

-A gente sempre tenta amenizar a dor, por mais que ela queira prevalecer. -Seus olhos agora pingavam agonia. –Venho aqui para compor também.

Sorri para ele, enquanto seus olhos se fechavam. E se eu pudesse, guardaria para sempre sua agonia que caía, para jamais esquecer aquele momento, de aurora fresca que brotava numa manhã da Europa.

-Sabe Dave, eu tenho um costume que não é italiano, creio eu. – Ele me olhou curioso, e eu prossegui: –Meu costume é guardar minhas dores em potes de vidros, para que elas não se percam com o tempo. Para quando olhá-las lá trás, perceber que a dor faz parte de tudo. Faz parte do mundo, faz parte coisas boas. – Seus olhos agora pendiam dor e compreensão. – Não se pode ser totalmente feliz só com a alegria. Há dor em tudo, para que a felicidade seja completa.

Lembrei-me de Miguel, da nossa distância, de minha dor que crescera, e que agora murchava como uma flor em dia de calor excessivo, que perde sua beleza, enquanto os raios de sol penetram nela, em suas pétalas encardidas de vermelho. Os raios poderosos eram como os daquela manhã, que fazia murchar minhas lembranças da Itália. Naquele momento para mim só havia Londres, e Dave.

-E quando se nasce da dor? Quando se nasce do pó? – O sol agora se aconchegava mais e mais, junto de nuvens gorduchas, tudo colado a um céu colorido. Amarelo, laranja, roxo e por fim a cor predominante, o azul. Era a aurora surgindo, finalmente.

-Se aprende a viver. –Respondi.

-Por que você não volta para sua casa? – Ele sussurrou. Cada palavra proferida aumentava minha dor, mas eu não podia deixá-lo, algo invisível me prendia à ele. - Você nem me conhece! – Disse ele, repentinamente, levantando-se, enquanto eu também me levantava. – Vá pra casa. – Abaixou sua cabeça desolado.

-E porque você não vai para a sua e acalenta essa sua dor junto de sua família?

-Eu só tenho a mim mesmo. –Respondeu-me amargurado. De repente virou-se e começou a andar do mesmo modo apressado, cabisbaixo. Seu jeito desolado, meio perturbador,era imbatível para mim mesma. E então eu decidi correr para fora daquele lugar, se possível para fora do planeta, para longe daquele louco músico londrino. E então eu corri. Po,rém uma parte de mim ficara com Dave, e até aquele instante eu não sabia o que era a solidão. Até aquele instante...
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Algumas notas sobre o post
  • O texto é de minha autoria, e faz parte de um amontoado de papéis que quando acabados formariam um romance homônimo ao blog.
  • Encontrei-os hoje, e decidi digitáliza-los para possíveis postagens, ou para fácil "manuseio" e edições futuras.
  • O projeto foi ignorado por muito tempo, depois que iniciei um outro projeto que no momento está pausado.
  • O nome do personagem Dave, inicialmente era Edward, mas como o nome poderia ser associado a algum ser vampiresco, decidi tranformar o antigo Edward em Dave.
  • Dave não é um vampiro, ou qualquer coisa do tipo.
  • Agradeço a quem ler o post, e sintam-se a vontade a comentarem o que quiserem.

33 anos sem o Rei do Rock

Há exatos 75 anos, nascia Elvis Aaron Presley na cidade de Memphis em Tennessee, EUA. Filho de pais humildes, Elvis foi o sobrevivente de parto da dupla de gêmeos univitelinos; seu irmão Jesse Garon nasceu natimorto. O garoto loiro viveu seus primeiros anos de vida em meio aos destroços de um furacão em Mississipi. Antes de alcançar o sucesso, Elvis The Pelvis como era chamado no começo de sua carreira por sua ousada dança, foi motorista de caminhão e lanterninha de cinema.

Na década de 1950, o garoto de Memphis, grava algumas canções de forma experimental. Sua música tinha inspirações no gospel que ouvia, country, pop e ópera. Em 1956 Elvis se torna sucesso mundial. Nos anos seguintes grava filmes, e torna-se um fenômeno de vendas, tendo hits como Hound Dog, , Blue Suede Shoes e outras inúmeras canções no topo da Billboard.

Anos de um estrondoso sucesso se seguiram, e em 1977 Elvis tem um colapso associado à disfunção cardíaca, o que acaba levando o Rei do Rock à morte. 33 anos depois, alguns de seus fãns acreditam que Elvis não tenha morrido. E não morreu. Suas músicas estarão para sempre eternizadas nos discos, cd's, mp3 players e principalmente em nossos corações.


Ps: Tinha tantas coisas a dizer sobre este meu ídolo, mas as palavras foram escapando e escapando, e então eu me vi sem elas, levando comigo apenas a enorme nostalgia de uma época que não vivi, mas que sinto saudades. Viva o Rei do Rock!



Fuga


Há momentos em que anseio a fuga. Carregar apenas uma surrada mochila nas costas e partir, sem ter roteiro de viagem, sem ter destino de chegada. Seguir, ofegante, coração acelerado, passos descompassandos pisando firme sobre o asfalto, à procura de coisa alguma, à procura das coisas todas, do tudo e do nada.

Meus olhos arderão perante as luzes majestosas e brilhantes da cidade, minha garganta secará ao defrontar com tamanha sede de vida. Minha alma se encherá de esperança ao fitar as longíquas e misteriosas estrelas pintadas no céu, enquanto a escuridão se apossará de mim, pois só em plena ausência de luz é que conseguirei vê-las a anos-luz de distância. Eu tentarei voar para alcançá-las, saltarei pelos precipícios e gritarei enquanto estiver muda, mas nada disto me importará realmente. Caminho com sangue seco estampando minha pele quente de vida, caminho com nós entre meu ser, caminho com uma mochila surrada que certamentente jogarei no próximo beco sem saída, na próxima rua escura, no próximo poço em que irei naufragar. Carrego-me, e pensando bem, carregar-me já é suficiente, embora ser-me por ora é sentir-me incompleta. Estou levando além de mim, uma garganta pronta para se saciar, uma alma aturdida, porém cheia de esperanças.

Estou à procura do etéreo e do imperfeito. Ora essa, deixe-me ir apenas, deixe-me partir... Pois preciso fugir. Fugir... Fugir... Fugir de mim mesma.

O Mais Belos dos Roteiros Criados Pela Natureza

Nós, os seres-humanos somos caracterizados por sermos reclamões. Simplesmente porque não resistimos deixar de reclamar sobre nossas vidas, sobre os problemas que nós mesmos criamos, não cansando de bradar aos quatro ventos o quão nossa vida é difícil, tortuosa, dura... Mas se parássemos para olhar ao nosso redor, mas precisamente para o Polo Sul (sim, o Polo Sul!), nos depararíamos com a dura, porém, incrível vida dos pinguins.


Os pinguins são aves existentes no Hemisfério Sul, pertencentes a família Spheniscidae. Possuem asas, mas não podem voar, são ótimos nadadores, chegando a atingir 45 km debaixo das águas. Sobrevivem em condições extremas, enfrentando terríveis tempestades de gelo, e uma temperatura de -40º C.


No ano de 2005, o biólogo e cineasta francês Luc Jacquet filmou durante um ano a vida dos pinguins. O filme em formato de documentário é um emocionante relato de imagens sobre a vida destes animais que vivem em constante luta pela preservação da espécie.


“A Marcha dos Pinguins” é um longa que retrata detalhadamente a jornada que milhares de pinguins fazem todo mês de março durante vinte dias e vinte noites. Em busca do par perfeito, são levados pelo instinto pela busca da reprodução. Estas aves viajam enfrentando bravamente as condições extremas de sobrevivência: animais ferozes, ventos congelantes, águas frias e a própria fome.


O longa também exibe a inversão de papéis, quando os pinguins machos tem a responsabilidade de cuidar dos ovos, enquanto os pinguins fêmeas são encarregados de buscar comida nas congelantes águas do oceano, dentro de um período de 48 horas.


O retorno das fêmeas dá a largada para a marcha dos pinguins machos em busca de comida, chamada de “marcha dos famintos”. A vida em tais condições, são dependentes de vários fatores, e se algo der errado, a morte é certeira.


O filme-documentário na versão brasileira é narrado por Patrícia Pillar e Antônio Fagundes. Com trilha sonora de Emilie Simon, o longa nos leva a um mundo gelado e maravilhoso, onde sobreviver é primordial para a continuação da espécie.


Depois de assisti-lo, certamente seremos seres-humanos menos reclamões, e passaremos a enxergar de um outro modo a vida dos pinguins, sua incrível viajem, e a emocionante marcha pela sobrevivência de seus filhotes e de si mesmos.