Estava sentada, à beira do precipício. Suas pernas trêmulas batiam descompassadamente uma na outra. As mãos suavam. Os nós arredios de seus longos cabelos balançavam conforme a regência da ventania. Ela existia. Sim, apenas existia. Os olhos muito abertos sendo perfurados por uma luz distante. A vida escapando descontroladamente de suas mãos.
Seus sentimentos eram guardados em vidros, que ela fazia questão de armazenar num pequeno e velho armário dos fundos de sua casa. Tinha medo. Deixava-os guardados, enquanto existia. Conferia o conteúdo dos frascos diariamente, fazendo questão de tampá-los muito bem. Todas suas dores, todos seus amores, toda sua raiva, angústia, inveja, paixão, ânsia, esperança e solidão estavam armazenados no pequeno quarto, sujo e malcheiroso dos fundos.
Certo dia, ao conferir o conteúdo dos pequenos vidrinhos, deixou um deles cair ao chão, fazendo com que o conteúdo do frasco soltasse sua grossa seiva de ódio. Tentou correr para não aspirar, porém não havia mais tempo: como ela desconhecia esta emoção, e todas as outras, sua alma encheu-se puramente do mais profundo ódio, deixando-a sem anticorpos para tal sentimento. Começou a atirar os outros vidrinhos, que foram caindo no chão, liberando as emoções que ela jamais experimentara na vida: rancor, esperança, inveja, e tantos outros que foram sendo libertados seguidamente.
Ao se deparar com o penúltimo frasco, viu a seiva sibilante que reinava por entre os vidros esfumaçados. Sem antes pensar, atirou-o longe, fazendo com que um líquido escuro inundasse suas narinas por um cheiro forte e agridoce. Antes que pudesse atirar o último frasco, seu coração sem sentimentos foi preenchido por uma sensação indescritível. Naquele instante, ela experimentou um estado sublime de sua existência, agora ela acreditava na beleza da vida, sem temê-la, e acreditava que era um engano de sua parte guardar emoções em frascos. Era preciso vive-las, as boas e as não tão boas assim, para ter anticorpos, para ter vida, para ter alma.
Uma lágrima escorreu de seus olhos, antes de seu destino final. A morte agora a abrangia, em seu suspiro seco e impiedoso. Morrera. Morrera de amor. Pois dentre tantos sentimentos guardados nos pequenos frascos, o amor fora o mais forte e o único capaz de fazê-la sentir viva, e de fazê-la sentir morta.
8 comentários:
O amor e seus dois lados da moeda. O lado vivo e o lado morto, em situações limpas e ao mesmo tempo turvas.
Profundo!
Beijo imenso, menina linda.
Rebeca
-
Nay,
obrigada pelas palavras de carinho. Elas me dao muita força. Eu tenho que ser muito forte, acredite. Por outro lado, vale muito a pena!
Vc tem o maior perfil de quem vai fazer letras. Vc escreve bem e seria muito bm ter vc cmo minha colega de profissão.
Já pensei em prestar para história, mas não gsto da parte do brasil!
Aliás na facul de letras, inicialmente a gente só estuda a parte mais técnica. Mas é muito bom! Amanhã vou ter aula sobre resenha, resumo, fichamento, seminário e bibiografia. Ou seja, quando são empregados. Estou amando!!!
Bjooos
Nossa, esse foi profundo, hein? Interessante a metáfora dos frascos...
Bjs
É assim mesmo. Vivemos guardando nossos sentimentos em frascos. Por isso, vivemos pouco.
Bjoo!!
PS: tira esse verificador de palavras dos comentários. Veja como em meu post atual.
É assim mesmo. Vivemos guardando nossos sentimentos em frascos. Por isso, vivemos pouco.
Bjoo!!
PS: tira esse verificador de palavras dos comentários. Veja como em meu post atual.
Nayara, muito legal essa parábola em que a vida e o tumulto dos sentimentos são comparados a um boticário. Muito legal ver a sobrepujança do amor no final do seu texto. É um toque romântico, otimista, voilá!
Abraço do Jefhcardoso que convida ao http://jefhcardoso.blogspot.com
Passei por aqui!
Bjoo!!!
PS: sobre o verificador de palavras, veja meu post "Lennon e o verificador de palavras".
Nay,
Reli e senti cada vidrinho sendo aberto dentro de mim. Texto forte, denso, cheio de magia.
Beijo imenso, menina linda.
Rebeca
-
Postar um comentário