A Caminho do Nada


(...) Andamos por aí sem nada a dizer. Nos deparamos com míseras pessoas, que pareciam sombras perdidas, assim como nós, entre um mundo que parecia incompreensível para Dave, e que naquele momento havia se transformado incompreensível para mim também. O mundo era uma escuridão, e nós ali estávamos nos comunicando com tudo o que nos rodeava.

As luzes passavam por nós como um borro infame, às vezes na forma de lanternas dos carros também escuros, às vezes como uma iluminação ordinária que se escondia atrás de alguma grande árvore pendida em uma calçada totalmente livre de folhas.

Ele sequer me olhava. Eu o observava todo o tempo. As mãos caídas sob o corpo, passos ligeiros. Seu olhar era um mesclado de solidão, dor e liberdade.

Eu não estava ao seu lado por trabalho. E realmente, não sabia explicar o motivo por estar seguindo-o pelas ruas escuras de Londres.

Chegamos até uma loja pintada de verde escuro. Estava sem a câmera fotográfica, sem papéis, canetas, ou qualquer coisa que seja sinônimo de minha profissão. Eu só tinha minha alma, uma bolsa grande, e Dave ao meu lado. Ele se sentou, e eu parei a alguns metros de distância.

Ficamos assim por alguns minutos, sem nos mexermos, sem sequer enxergarmos o outro lado da rua pouco movimentada. Minha atenção estava concentrada apenas no rapaz que eu conhecera no Ripple’s.

Enquanto meus cabelos caiam geladamente no rosto, ouvi a sua voz distante, que se voltava para mim:

-Por que você não vai embora? Eu não sou confiável.

Suas mãos se seguravam, se safavam. Eu corri meus olhos por ele, e então respondi após sentar-me ao seu lado, como uma ligeira órfã repentina, que busca amparo na companhia de um outro alguém, por mais desconhecido que seja:

-Ninguém o é.

Ficamos assim por um hiato indefinido. O tempo corria solto. A lua deixava de brilhar, despedindo-se de uma noite escura. Agora a aurora chegava com sua força poderosa, iluminando até aqueles que estavam na escuridão.

Dave ergueu sua cabeça, olhando para um pôr-do-sol amarelado que brotava do infinito. Os meus olhos se estreitavam, firmes, meio avermelhados pela noite sem sono, pela cerveja quente do bar, pela visão daquele rapaz.

-Por que você vem aqui Dave? – Disse, tentando quebrar o silêncio.

-A gente sempre tenta amenizar a dor, por mais que ela queira prevalecer. -Seus olhos agora pingavam agonia. –Venho aqui para compor também.

Sorri para ele, enquanto seus olhos se fechavam. E se eu pudesse, guardaria para sempre sua agonia que caía, para jamais esquecer aquele momento, de aurora fresca que brotava numa manhã da Europa.

-Sabe Dave, eu tenho um costume que não é italiano, creio eu. – Ele me olhou curioso, e eu prossegui: –Meu costume é guardar minhas dores em potes de vidros, para que elas não se percam com o tempo. Para quando olhá-las lá trás, perceber que a dor faz parte de tudo. Faz parte do mundo, faz parte coisas boas. – Seus olhos agora pendiam dor e compreensão. – Não se pode ser totalmente feliz só com a alegria. Há dor em tudo, para que a felicidade seja completa.

Lembrei-me de Miguel, da nossa distância, de minha dor que crescera, e que agora murchava como uma flor em dia de calor excessivo, que perde sua beleza, enquanto os raios de sol penetram nela, em suas pétalas encardidas de vermelho. Os raios poderosos eram como os daquela manhã, que fazia murchar minhas lembranças da Itália. Naquele momento para mim só havia Londres, e Dave.

-E quando se nasce da dor? Quando se nasce do pó? – O sol agora se aconchegava mais e mais, junto de nuvens gorduchas, tudo colado a um céu colorido. Amarelo, laranja, roxo e por fim a cor predominante, o azul. Era a aurora surgindo, finalmente.

-Se aprende a viver. –Respondi.

-Por que você não volta para sua casa? – Ele sussurrou. Cada palavra proferida aumentava minha dor, mas eu não podia deixá-lo, algo invisível me prendia à ele. - Você nem me conhece! – Disse ele, repentinamente, levantando-se, enquanto eu também me levantava. – Vá pra casa. – Abaixou sua cabeça desolado.

-E porque você não vai para a sua e acalenta essa sua dor junto de sua família?

-Eu só tenho a mim mesmo. –Respondeu-me amargurado. De repente virou-se e começou a andar do mesmo modo apressado, cabisbaixo. Seu jeito desolado, meio perturbador,era imbatível para mim mesma. E então eu decidi correr para fora daquele lugar, se possível para fora do planeta, para longe daquele louco músico londrino. E então eu corri. Po,rém uma parte de mim ficara com Dave, e até aquele instante eu não sabia o que era a solidão. Até aquele instante...
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Algumas notas sobre o post
  • O texto é de minha autoria, e faz parte de um amontoado de papéis que quando acabados formariam um romance homônimo ao blog.
  • Encontrei-os hoje, e decidi digitáliza-los para possíveis postagens, ou para fácil "manuseio" e edições futuras.
  • O projeto foi ignorado por muito tempo, depois que iniciei um outro projeto que no momento está pausado.
  • O nome do personagem Dave, inicialmente era Edward, mas como o nome poderia ser associado a algum ser vampiresco, decidi tranformar o antigo Edward em Dave.
  • Dave não é um vampiro, ou qualquer coisa do tipo.
  • Agradeço a quem ler o post, e sintam-se a vontade a comentarem o que quiserem.

2 comentários:

~*Rebeca*~ disse...

Narrativa que prende, imagens densas, considerações verdadeiras e inspiradoras... como deve ser um bom texto.

E Dave está no limite, pedindo por uma reviravolta.

até mais.

Jota Cê

Juliana Skwara disse...

Quando digo que seu destino é a literatura, não estou errada. Quando leio seus textos, eles me passam sensações conhecidas e desconhecidas. É tipo uma literatura urbana meio misteriosa. Vc herdou o que muitos escritores roqueiros possuem, a habilidade de deixar no ar o vestígio de vontade de continuar a ler. Espero que ele não fique parado este projeto,vale muito a pena! Eu amei, se tornou um dos meus prefeidos!! Bjoooo